No último sábado, Dia Internacional da Mulher, acordei com a timeline cheia de flores, frases de efeito e homenagens às mulheres poderosas. Aquelas imagens com enunciados como “lute como uma garota” ou “juntas somos mais fortes” aparecem em cada canto da tela. Sem contar com as grandes marcas te convencendo a consumir seus produtos porque “esse dia é todo seu, mulher”. Uma enxurrada de postagens que, ironicamente, nos fazem parar para refletir: será que estamos celebrando a mulher ou nos rendendo ao mercado que transforma qualquer luta em um produto de consumo?
Sim, eu sei, o oito de março tem um peso simbólico importante. Afinal, o feminismo foi, e ainda é, uma revolução em muitos sentidos, que abriu portas para a gente conquistar o que sempre deveria ter sido nosso. A autonomia sobre os nossos corpos, a liberdade de escolha, a igualdade de oportunidades. Mas e hoje, o que o feminismo tem sido para nós? Será que a luta não perdeu parte do seu brilho? Não ficou um tanto diluída, como se precisássemos dar uma festa toda vez que alguém lembrasse que somos seres humanos e merecemos respeito? Como podemos normalizar, nos dias de hoje, aplaudirmos quando o mínimo — parecendo coisa de outro mundo — é feito?
O feminismo de hoje tem muito a ver com a tal da "representatividade", que é algo maravilhoso, evidente. Mas será que ele está falando para todas as mulheres? Para as que realmente precisam? Será que a mulher negra, a indígena, a periférica, a trans, a mãe solteira, a trabalhadora rural se veem refletidas em campanhas e nas ruas? A luta dessas mulheres, que não têm tempo para posar para fotos ou escrever frases de empoderamento nas redes sociais, é muito mais urgente, mais crua, mais invisível.
Sim, porque é isso também me causa um desconforto no Dia Internacional da Mulher: a sensação de que estamos celebrando a luta de um feminismo de vitrine, aquele que se encaixa no modelo de sociedade consumista e expresso. Há pouco espaço para o feminismo dolorido, para o feminismo que envolve suor, lágrimas e, muitas vezes, perdas irreparáveis. Não se vê nas campanhas o feminismo que questiona os padrões de beleza, que combate a violência doméstica, que enfrenta o machismo estrutural, que destrói vidas.
Mas, em vez disso, o que se vê é uma agenda de "empoderamento", que é maravilhosa para aquelas que já estão em posições privilegiadas e que conseguem transformar suas dificuldades pessoais em discursos inspiradores para o Instagram. A luta de muitas mulheres não está apenas em ser poderosa ou alcançar o topo de uma carreira, mas em minimamente sobreviver a uma rotina de trabalho exaustivo, a um relacionamento abusivo (já imaginou um universo paralelo onde você, ao terminar um relancionamento, não precisa se preocupar em sair viva?), a uma sociedade que as vê como uma mercadoria, ao medo de andar sozinha na rua à noite. E onde estão as campanhas para essas mulheres? Onde estão as vozes delas?
Às vezes, me pergunto: será que o feminismo que vemos nas telas é o mesmo feminismo que move as ruas? Ou será que estamos tão obcecadas pela imagem do que é ser uma mulher moderna e independente, que nos esquecemos daquilo que é urgente e fundamental? Talvez, o feminismo precise se reiniciar. Voltar para a raiz. Não para ser radical mas para resgatar a sua essência: ser um movimento de transformação social, de verdade, para todas as mulheres, e não apenas para aquelas que podem bancar a ilusão de um mundo perfeito.
Hoje, ao invés de me perder em posts bonitos de mimos, flores e bombons, resolvi prestar atenção no silêncio das mulheres que não têm vez, que não podem parar o mundo para serem celebradas, que se esquecem todos os dias por serem mulheres simples, mas com uma força que, muitas vezes, não se vê. Essas sim, as verdadeiras heroínas do feminismo. E talvez, só talvez, esse seja o verdadeiro foco do nosso Dia Internacional da Mulher. Nessa data, ainda, reforço o agradecimento por tanta luta das que vieram antes de mim e entendo que há muito para ainda conquistarmos. Não vejo o oito de março como uma singela comemoração mas uma data para reafirmamos nossa força.
Gostaria que, ao menos, no final do dia, a luta não fosse só uma hashtag.
Até o próximo texto.
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